terça-feira, 2 de setembro de 2014

D. Manuel I e o Montijo (4)


A Corte na Aldeia Galega do Ribatejo



Terá D. Manuel I aceitado o pedido de um pescador para ser juiz perpétuo do Círio dos Pescadores de Aldeia Galega do Ribatejo?
O Padre Manuel Frederico Ribeiro da Costa, Capelão que foi da Atalaia, no seu livro “Narrativa Histórica da Imagem de Nossa Senhora da Atalaya que se venera na capella sita no monte d’Atalaya do concelho de Aldeagallega do Ribatejo”, editado em 1887, ao reportar-se ao Círio dos Pescadores de Aldeagallega, narra o seguinte episódio:

«A origem deste círio remonta aos tempos do reinado de D. Manuel, segundo antiquíssima tradição que voga entre os pescadores desta vila.
Contam eles – com alguma ufania – que, aportando o rei D. Manoel e seu séquito em uma galeota ao porto desta vila, com o intuito de uma excursão ao Alentejo, sucedera por motivo da vazante da maré, dar em seco a régia embarcação e achar-se nessa ocasião próximo um pescador entregue à lida da sua arte.
Os régios viajantes, precisando desembaraçarem-se deste inesperado encalhe, chamaram o pescador a fim de os transportar para terra.»

Segundo a tradição guardada pelo capelão da Atalaia, o pescador transportou o rei às costas e quando o monarca lhe perguntou quanto queria em remuneração pelo seu serviço terá respondido: «que o maior benefício que el-rei lhe podia dispensar era ser juiz perpétuo do círio dos pescadores de Nossa Senhora da Atalaia, sua terra».

O Padre Manuel Frederico Ribeiro da Costa sustentou que não tinha dúvidas de que D. Manuel I fora juiz perpétuo dos Cirio dos Pescadores de Aldegalega, escorando-se nos seguintes factos: a) A existência, na sacristia da Igreja da Atalaia, de uma caixa do círio dos pescadores com o rótulo “S.º D. N. S. DaTa El-Rei D. Manoel juiz Propria. D. festa Dos Pescadores Dalda Ga e todos mas Res 1534”; b) A antiga prática da Câmara de Aldegalega de satisfazer a esmola do sermão da festa do mesmo círio, devido à vontade expressa de D. Manuel, ou em homenagem a tão pia tradição; c) O uso muito antigo de se inscrever e ler-se, na ocasião da festividade, na eleição dos mordomos festeiros, como juiz perpétuo, o nome do monarca reinante; e c) A bandeira real do círio, que indicia uma vetusta protecção régia.
Mas serão estas razões suficientes para provarem que o Rei Venturoso passou por Aldegalega do Ribatejo e correspondendo ao pedido de um pescador aceitou ser Juiz perpétuo do Círio dos Pescadores de Aldegalega?

O Capelão da Atalaia socorre-se de «antiquíssima tradição» para evocar a passagem de D. Manuel por terras aldeanas, mas só pôde afiançar que não tinha dúvidas de que D. Manuel I fora juiz perpétuo dos Cirio dos Pescadores de Aldegalega, embora reconhecesse que «a origem (do Círio dos Pescadores) remonta aos tempos de D. Manuel, ou que já no reinado de D. Manuel concorria este círio à Atalaia.»

Contudo não há documentos que provem a passagem do rei por terras de Aldeia Galega do Ribatejo.
Se consultarmos a itinerância do rei, durante o seu reinado, podemos confirmar que em 1496 passou por Alcochete; em 1500 por Alcácer e Setúbal; em 1508, voltou a passar por Alcochete; e naquele ano e no ano seguinte esteve em Évora. Em Évora se regista a passagem do monarca nos anos de 1512, 1513, 1519 e 1521, e neste ano passou também pelo Barreiro. A real itinerância não regista a passagem por Aldeia Galega do Ribatejo.
Mas como Aldeia Galega do Ribatejo era na altura renomado porto de acesso ao sul do País para quem viesse de Lisboa poderá indiciar a passagem do monarca numa das suas deslocações ao Alentejo, embora não haja regsitos.
Mero indício, que a tradição afirma, mas a História não confirma.

Membros da ilustre família Cotrim descansam eternamente na Ermida de Nossa Senhora da Piedade, em Sarilhos Grandes.

Mas a “presença” de El-Rei, em Aldeia Galega do Ribatejo, é revelada por outros testemunhos.

Um será a outorga do foral, em 15 de Setembro de 1514, os outros apontam para a presença de fidalgos da sua Casa, nomeadamente, da ilustre família Cotrim, em terras aldeanas.

Em Sarilhos Grandes, adossada à Igreja de S. Jorge, existe uma capela funerária manuelina mandada edificar por João Cotrim, no início do séc. XVI.
Presume-se que o Doutor João Cotrim seja filho de Ruy Cotrim de Castanheda.

Esclarece Joaquim Baldrico que o «Doutor João Cotrim (foi) personagem importante no reinado do Rei Venturoso, uma vez que, entre os vários cargos que desempenhou, foi Corregedor dos Feitos Crimes da Corte, Desembargador do Agravo da Casa da Suplicação e membro da Comissão de Revisão das Ordenações e da reforma dos Forais.»

Ruy Cotrim de Castanheda, fidalgo da Casa de D. Manuel, pelejou no Norte de África, foi capitão das armadas de Vasco da Gama e de Pedro Álvares Cabral, à Índia, e uchão da Casa Real.

No interior da Ermida de Nossa Senhora da Piedade, assim se denomina a capela, há duas sepulturas: uma com inscrições imperceptíveis e a outra, diante do altar, que atesta a importância da personalidade, com uma inscrição em letra gótica. Aquela será a sepultura do Doutor João Cotrim, esta certifica que:  
«AQVI IAS RUY CUTRIM DE CASTANHEIRA FIDALGO DA CASA DE ELREI DÕ MANVEL I».

Estes ilustres fidalgos escolheram Aldeia Galega do Ribatejo para o seu descanso eterno.
Gente ilustre que participou na gesta dos Descobrimentos e na Administração Manuelina está entre nós, enriquecendo-nos com o seu legado.

Mas Montijo revela-se tão pobre que não alcança a grandeza de tal presença.

Ruky Luky

P.S. Um outro Cotrim jaz na Igreja de S. Jorge (sarilhos Grandes), mas será tema para uma futura publicação.



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