sábado, 13 de julho de 2013

Os Cinemas de Montijo

 1. Em nome do Pai…
                                In Memoriam Guilherme Aleixo 20-11-1911 – 22.01.1985

A partilha da cultura levou o cinema aos mais pobres dos pobres.
Meu Pai, modesto lisboeta que, na década de trinta do século XX, procurou, em Angola, o conforto que a Pátria lhe negava, apareceu, certo dia lá em casa, com uma máquina de projectar Eumig 8 e um filme de Charlot. Depois, espaçadamente, foram aparecendo outros: Ali Babá e os 40 Ladrões, Bucha e Estica, Gary Cooper e poucos mais. Todos de 8/mm e a preto e branco. Quantas vezes passaram aqueles filmes, vistos sempre com o mesmo entusiasmo, com a mesma alegria e com o mesmo espanto…
Sei, hoje, o sacrifício que custou aquela máquina a quem tinha um magro ordenado, mas a paixão pelo cinema falara mais alto e o sacrifício foi compensado pela alegria que brotara na família e que acabou por transbordar para o bairro.
O Bairro da Fronteira, em Benguela, República de Angola, era um bairro limítrofe, pobre, com ruas esburacadas e sem asfalto, sem iluminação pública nem água canalizada. Poucos portugueses ali viviam nas suas modestas casas rodeadas de cubatas. O meu Pai era um deles. Fê-lo por amor à mulher por quem se apaixonara e já enfeitiçado pela magia de África.
Homem de coração aberto e alma generosa, ao sábado, à noite, pegava na máquina, colocava-a no quintal, de modo que se visse da rua, e assim dava início à sessão de cinema. O portão da nossa casa nunca esteve fechado e, por isso, os vizinhos do bairro ao saberem que havia cinema, entravam, acomodavam-se, abarrotavam o quintal e o espectáculo começava. As sessões eram indescritíveis, tal o gozo proporcionado por Charlie Chaplin ou o frenesim das coboiadas de Gary Cooper. Três ou cinco minutos era quanto durava a projecção de cada filme, mas pareciam uma espantosa eternidade a quem, pela primeira vez, via um filme… Em todas as sessões de Charlot estavam bem presentes as exclamações «uuááá!...uuááá!...viabááá», que acompanhavam cada "finta" do actor, num jogo do gato e do rato, no ginásio das termas, e que se repetiam com o mesmo entusiasmo em cada visionamento.
Tirando o Salão de Baile da Dona Sofia, na década de 50, cujo terreiro tinha de ser constantemente regado para aplacar a poeira levantada pelos pares dançantes, não havia outro divertimento senão o cinema em casa do senhor Guilherme Aleixo. E a entrada era gratuita.


Ruky Luky





Um comentário:

  1. É bom reviver o passado e ter nele, não diria um certo orgulho, porque é palavra que não cabe muito bem no meu vocabulário, mas uma dose de encanto e e de amor, talvez nostalgia, e conforto de quem não esquece as raízes. É bonito e é saudável. Parabéns ao Rui.

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