segunda-feira, 22 de abril de 2013

A Suinicultura em Montijo


Notas Soltas (1)


A antiga Fábrica BERTOM, na R. de Serpa Pinto, que foi local de abate e de transformação de carne de porco.
A adesão de Portugal à Comunidade Económica Eu­ropeia, em 1985, e a conse­quente exigência de que o nosso Pais passasse a respeitar a le­gislação comunitária con­tribuíram para que, em Monti­jo, se quebrasse a ligação existente entre a comunidade e o porco.
Até então, as unidades de transformação de carnes es­tavam instaladas no centro da cidade — Praça da Repú­blica, R. Comandante Fran­cisco da Silva Júnior e, um pouco mais afastada, na R. Serpa Pinto, entre outras.

Para atestar a importância económica da criação de porcos dizia-se jocosamente que cada montijense criava um porco e, por outro lado, enfatizando-se o número de porcos abatidos nas várias chacinarias, se proclamava que Montijo era a terra mais limpa de Portugal porque era abatido todo o porco que entrasse no concelho.
De facto, numerosas famílias eram proprietárias de varas de porcos, que, em alguns casos, constituíam um apoio suplementar aos rendimentos familiares.
Na década de 80 do século XX, ainda circulavam pelas ruas da cidade, a céu aberto, camionetas carregadas com as vísceras dos animais abatidos, os magarefes exerciam intensa actividade, as moscas infestavam as residências e, em dia de matança, o rio corria vermelho.
Os apoios da Comunidade Europeia vieram revolucionar o tecido empresarial monti­jense. Algumas pequenas e médias empresas fundiram-se num projecto de grandes dimensões (v.g. Carmonti), e outras, por falta de condições e de capacidade de adaptação, acabaram por se extinguir.
No início do século XX, a indústria transformado­ra de carne de porco perdera o lugar de relevo que tinha ocupado na economia montijense. A venda da Fábrica Izidoro simbolizou a queda da suinicultura em Montijo.
Contudo, para se alcançar o patamar a que se tinha alcandado a suinicultura em Montijo, foi necessário percorrer um longo e árduo caminho.

Cais dos Vapores - Em dia de abate de porcos, o rio corria vermelho de sangue.
Não estão definidas  as raízes da cria­ção e transformação de carne de porco em Aldeia Galega/ Montijo.
As fontes são escassas e algumas du­vidosas.
O Anuário de Estatística de Portugal não regista qual­quer abate do porco, em Al­degalega, nos anos de 1888 e 1889, o que não parece verosímil, porque, já no início do sé­culo passado, é assinalado um forte comércio de carne de porco e transacções de por­cos vivos.

No dia 4 de Abril de 1838, o Administrador do Conce­lho de Estremoz informava ao seu homólogo de Aldeia Galega que «Antônio Cor­deiro da freguesia d'Aldea do Cortiço conduzia 40 porcos gordos de montado para esse concelho!»
Dois anos mais tarde, o substituto do Regedor da Paróquia do Divino Espírito Santo (Aldegalega), infor­mava o Administrador do Concelho, em 26 de Feverei­ro, que não podia fiscalizar as contas das Irmandades da Igreja Matriz porque desde o princípio de Dezembro até ao Carnaval quase todos mo­radores desta Vila são incer­tos em suas casas, pelo giro de negócio das carnes de porco, que os obriga a tran­sitarem de contínuo, ora para a Província, ora para Lisboa (…)».
No contrato celebrado pelo «marchante contratador do fornecimento das carnes verdes para consumo desta vila» este obrigava-se (entre Dezembro e até ao Entrudo) a dar carne de «porco pelo preço de cinquenta e cinco reis cada arrátel», — além de carne de vaca da Beira e da Terra e capado.
Outros documentos refe­rem-se ao movimento mer­cantil derivado do porco, como o ofício datado de 8 de Fevereiro de 1850 e enviado pela Alfândega de Lisboa ao Administrador do Concelho de Aldegalega, no qual infor­mava da existência de uma guia passada «para 56 por­cos vivos, com destino a Vil­la Franca de Xira, e de lá para Chãos de Tira-Corda».

Os porcos eram criados em montados, em Canha, onde em 1850, havia 200 porcos a engordar, e, na vila do Montijo, em «fazendas ou quintais a que chamão suvões».
Em meados do Século XIX, já havia fábricas de transformação de carne de porco e Aldeia Galega já ex­portava os seus produtos, quer para vários pontos do país, quer para outros país­es, nomeadamente da Amé­rica Latina, Venezuela e, sobretudo, Brasil.

A Fábrica TÓBOM, cujo edifício se localiza na Praça da República
Foi o Encarregado dos Negócios deste País, que gerou o primeiro incidente diplomático, por causa da carne de porco, como se re­tira da acta da reunião da Câmara Municipal de Alde­galega de 11 de Outubro de 1852.
«Tendo chegado ao co­nhecimento da Câmara, pela leitura que faz do jornal do Comércio de 19 de Agosto último — do Rio de Janeiro —, o inexacto e calunioso officio que de Lisboa dirigio ao seo governo o Encarrega­do dos Negócios do Império do Brazil em Portugal, António de Menezes Vas­concellos Drumont, no qual desenvolve a mais perfídia e aleivosa acusação, declaran­do que a Polícia deste Dis­tricto descobrira por denún­cia huma Fábrica de paios e chouriços nesta Villa, aonde se commette toda a espécie de falsificação na manufac­tura d'aquelles objectos, mis­turando-se de envolta com a carne de porco outras carnes de animais nocivos à saúde pública, acrescentando que até havião desconfiança de que a carne humana entrava n'aquella manufactura. A Câ­mara cheia do maior horror por ver que a matéria do dito ofício é huma pura falsidade e calumnia digna da mais acre censura, por ter o cunho da malvadez, lançando hum horrível anathema sobre os géneros da nossa exportação delibera que (…), pois que se trata do crédito e re­putação dos seos conci­dadãos tão infammente inju­riados, que se fizesse uma reclamação aos Ex.mo Se­nhor Governador Civil, para este tomar em consideração este objecto de tanta trans­cendência, e pedir ao go­verno de S. Majestade re­clame do Ministro do Império do Brasil huma reparação e retractação do que infundadamente [se declara] no dito officio, fazendo assim pu­blicar na Folha Official, e que sendo estes factos tão graves, e devendo ter toda a publicidade para obstar a torrente infamante que aquelle indiscreto officio produzio no público, se in­serisse em alguns periódi­cos da capital o contehudo da reclamação que a Câma­ra faz para dar hum públi­co testemunho da innocên­cia dos habitantes deste Concelho tão atrozmente aviltados.»

Ruky Luky

Um comentário:

  1. O esforço para trazer à tona a história de Montijo e das actividades que em tempo tornaram esta vila famosa tem de basear-se em informações com mais rigor. O foto que aqui se insere é já muito depois do 25 de Abril, bastando olhar para a discoteca "In Loco". As ruas Gago Coutinho, Aldeia Velha e Sacadura Cabral e adjacentes, em 1980 tinham cerca de 20 fábricas de chacinaria. A primeira fábrica Izidoro, no princípio do século XX, estava estabelecida nessa área. Em meados do século, após a II Guerra Mundial, Montijo, segundo as informações da Junta Nacional dos Produtos Pecuários (JNPP), era o 2.º maior produtor de carnes de suíno do país. A indústria começou a decair estrondosamente a partir dos anos 90. As indústrias de carnes, cortiça e cerâmica foram baluartes deste concelho. Patrioticamente foram acompanhando a decadência industrial do país.

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