sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O Mutualismo em Montijo

União Mutualista Nossa Senhora da Conceição

A aquisição da farmácia foi um gesto audacioso da direcção presidida por José Luiz Gouveia.
 Foi, em 1870, que se constituiu a Comissão Provisória da Associação Fraternal do Monte-Pio da villa de Aldegalega do Ribatejo sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição.

Embora dirigida por uma Comissão Provisória, a Associação estava de facto constituída, uma vez que, no início daquele ano, reunira já a Assembleia para a aprovação dos estatutos.

Por outro lado, em 10 de Agosto de 1871, a Comissão Provisória requereu ao Governador Civil de Lisboa licença para abrir um bazar nos dias 26, 27 e 28 desse mês, em benefício do Monte-Pio. No ano seguinte, pela mesma altura, o Governador Civil já se dirigia à “Direcção do Monte-Pio d’essa villa”, o Administrador do Concelho intimava o “O Presidente da Direcção do Monte pio” e o pároco Francisco António da Costa assinava como Presidente da Direcção.

Formalmente, a associação só se constituíu no dia 18 de Novembro de 1872, quando, El-Rei D. Luís I “considerando que as sociedades d’esta natureza tendem a melhorar a sorte dos associados e muito contribuem  para a sua moralisação” houve por bem aprovar os seus estatutos.

A nova instituição era interclassista e terá resultado das antigas confrarias sediadas na Igreja Matriz do Divino Espírito Santo e, a exemplo da irmandade instituída pelos mareantes, invocou o nome de Nossa Senhora da Conceição. O Montepio surgiu num momento em que aquelas estavam praticamente extintas e a Santa Casa da Misericórdia atravessava uma grave crise.

Um ano após a sua legalização, a Associação Fraternal tinha 865 sócios. A população de Aldeia Galega rondava, nessa altura, os cinco mil habitantes.

Os rendimentos do Montepio provinham da venda dos seus estatutos pelo preço de 160 reis cada exemplar, da jóia dos sócios na razão de 500 reis, das quotas semanais de 40 reis pagos por cada associado e de donativos, legados, doações ou produtos de benefícios.

Apesar da acção que passou a desenvolver, - os seus fins eram coadjuvar os sócios em suas doenças e prisões, promover os meios de sustentação quando se inabilitassem por qualquer acidente ou moléstia, cuidar dos funerais e bens da alma, assim como promover a instrução e a moralidade de todos os sócios - o Governador Civil de Lisboa considerou, em 1877, que o Montepio não praticava “actos de beneficência, uma vez que mesmo os sócios pobres pagam uma quota”. Por esse motivo indeferiu o pedido feito pela Associação Fraternal para organizar um bazar “por não reverter o produto da especulação em favor de acto algum de beneficência ou instrução, mas sim de indivíduos que se ligaram por um contrato bilateral (...) e que à custa do público se querem manter”.

Os sócios tinham direito, nas suas doenças, a socorros pecuniários de 160 réis diários, facultativo e botica, enquanto estivessem de cama, ou a 300 réis diários sem facultativo nem botica e ainda aos mesmos 300 réis diários se se quisessem tratar em qualquer hospital. No entanto, se a moléstia os inabilitasse perpétua ou temporariamente, tinham direito a 80 réis diários.

Se o facultativo prescrevesse o uso de banhos minerais ou sulfúreos, os sócios tinham direito à quantia de 300 réis diários, incluindo os dias de viajem de ida e volta. O estatuto negava, contudo, qualquer quantia para banhos no mar “por poderem aqui fazer uso d’elles”.

Nos casos em que o sócio adoecesse fora da vila, tinha direito à quantia de 360 réis diários, enquanto estivesse acamado, e a facultativo e botica.

As sócias não tinham “direito algum a receber socorros em seus partos, mas sim nas moléstias que sobrevierem aos mesmos”.

A associação conferia aos sócios presos a quantia de 80 réis diários ”por todo o tempo que durar a pena imposta por processo correcional”, porém, em qualquer outro processo, só tinham esse direito até ao dia da pronúncia. No entanto, caso adoecessem, na prisão, tinham todos os direitos consignados nos estatutos para a protecção na doença.

O sócio que viesse a falecer, na vila, tinha direito aos utensílios da associação e a mais 4$000 réis para despesas do seu funeral, mas o viúvo, viúva ou outros herdeiros tinham de apresentar a justificação das despesas com o funeral. Estava garantido ao sócio, além das despesas com o funeral, “a serem acompanhados por 18 sócios e a três missas de 160 réis, ditas por uma só vez para sufragar a sua alma” e, se fossem sócios benfeitores, seriam “acompanhados por 24 sócios em seus funerais”.

A associação proibia todas as questões pessoais, políticas e religiosas, bem como palavras que ofendessem a moral, os poderes constituídos e a religião do Estado.

A primeira direcção eleita foi constituída pelo Padre Francisco António da Costa, Presidente; Luiz Eloy Nunes, Vice-Presidente; Arthur Manuel Vianna Canede, Secretário; João Pedro Baptista, Vice-Secretário; António Victorino Rodrigues, Tesoureiro; António Joaquim Soeiro, Vice-Tesoureiro e José Vito da Silva, Vogal.

A Associação modificou os seus estatutos em 30 de Dezembro de 1894, conformando-os com o Decreto de 28 de Fevereiro de 1891. Era então Presidente da Direcção António Máximo Ventura, rico proprietário e comerciante, coadjuvado pelo Padre Theodoro de Sousa Rego, pelo funcionário público e comerciante Frederico Ribeiro da Costa e ainda por Joaquim Manuel Mendes, António Pedro da Cunha, João Pedro Baptista e José Germano Serra.

Com os novos estatutos, a instituição passou a denominar-se “Associação de Socorros Mútuos Monte-Pio Nossa Senhora da Conceição da villa de Aldegallega do Ribatejo” e os seus fins passaram a ser coadjuvar os sócios em suas doenças, auxiliar os seus funerais e sufragar as suas almas e estabelecer pensões aos sócios, permanentemente inabilitados de trabalhar.

As mulheres casadas só podiam ser admitidas como sócias mediante autorização dos maridos e não podiam ser admitidos os indivíduos do sexo masculino com mais de 50 anos, os do sexo feminino com mais de 40, os menores de 15 anos e os que padecessem de moléstia crónica ou contagiosa.

A quota semanal era de 40 réis e, no acto da inscrição, o sócio pagava uma jóia de 500 réis e estava obrigado a comprar os estatutos, que custavam 200 réis.

As vicissitudes porque passou o Montepio Nossa Senhora da Conceição prendem-se com a situação económica e social do concelho e com o consequente reflexo na vida das populações.

São escassas as fontes para o estudo do mutualismo em Aldegalega. No entanto, pelos exíguos registos que nos chegaram somos levados a admitir que esta Associação ganhou a confiança e a estima dos aldeanos congregando os esforços das várias classes sociais, podendo afirmar-se que na sede da associação a ganga do operário cruzava-se com o casaco do patrão.

Foi este entendimento que permitiu que se concretizasse a proposta de sócio Zeferino Rodrigues para que se comprasse uma farmácia.

No dia 26 de março de 1912, no Cartório do Notário Manuel das Neves Coutinho Ribeiro compareceram os sócios do Montepio Nossa Senhora da Conceição, José Luiz Gouveia e José Augusto de Sousa Rego, proprietários; António Tavares Marques, soldador; José Rodrigues Futre, caixoteiro; Manuel Ladislau, soldador; Joaquim Tavares Castanheira Sobrinho, trabalhador e Augusto Gregório da Silva, pedreiro, que constituíam a Direcção, que declararam que “ficam por fiadores e principais pagadores do resto do preço, acima dito, na importância de um conto quatrocentos e cinquenta mil réis, e assim tomam solidariamente sobre si todas as obrigações da associação, sua afiançada”.

A farmácia foi adquirida a José Augusto Simões da Cunha “pelo preço de um conto e setecentos mil réis, por conta do qual (já recebeu) da referida associação a quantia de duzentos e cinquenta mil réis (e) que os restantes um conto quatrocentos e cinquenta mil réis serão pagos até o termo de três anos, contados d’hoje, por meio de prestações, das quais, e até perfazer a quantia de quatrocentos e cinquenta mil réis, nenhuma das prestações será inferior a cinquenta mil réis, e a restante quantia de um conto de réis será paga em quatro prestações (...) ”.

O gesto audacioso da Direcção, presidida por José Luiz Gouveia, permitiu que o Montepio passasse a ter uma excelente fonte de receitas, que, ainda hoje, lhe tem permitido corresponder às necessidades sempre crescentes dos seus sócios e garantir a independência real da associação.

Quando, em 1937, se processou a fusão das várias associações mutualistas, o Montepio Nossa Senhora da Conceição era a única que funcionava regularmente, devido à gestão da farmácia.

O Administrador do Concelho de Aldegalega, no ofício que dirigiu ao Governador Civil de Lisboa, em 5 de Janeiro de 1877, dava conta do “novo Monte pio do Divino Espírito Santo aprovado por Decreto de 12 de Junho de 1876”.

Perderam-se as notícias desta associação embora se saiba que, no início deste século, estava fortemente ligado à Farmácia Giraldes e que a sua direcção era constituída por António d’Oliveira Canelas, Abílio Nicolau, Manuel Pedro Carirú, José Augusto Oliveira e Custódio Dimas.

A Associação de Socorros Mútuos Montepio Nova Aliança de Aldegalega já estava constituída em 1886 e tinha a sua sede na actual Praça da República, embora não tivesse os estatutos provados.

Foi no reinado de D. Carlos I, sendo Ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, o Conde de Paçô Vieira, que foram homologados os estatutos da Associação de Socorros Mútuos Montepio Nova Aliança de Aldegalega do Ribatejo, pelo alvará assinado em 10 de Junho 1903.

Os fins desta associação mutualista eram socorrer os sócios na doença e auxiliar seus funerais.

Todos os indivíduos de ambos os sexos, dos três anos aos cinquenta, podiam ser sócios, desde que tivessem um modo de vida honesto e conhecido e não padecessem de qualquer doença, no acto de inscrição.

Os sócios tinham direito, na doença, a facultativo, receituário e subsídio pecuniário, até ao prazo máximo de dois anos, mas as sócias não tinham direito a socorros nos partos regulares, mas nos complicados tinham direito a facultativo e receituário, e nas moléstias que pudessem sobrevir tinham direito a socorros até ao total restabelecimento.

O Montepio não fazia o funeral dos sócios, “mas auxilia-os com a quantia de quatro mil réis, que será entregue à família do falecido”.

Proibia também “na casa d’esta associação questões sociais, políticas ou religiosas”.

Em 9 de Outubro de 1905, El-Rei D. Carlos aprovou os estatutos da Associação de Socorros Mútuos “Aldegallega Operária”, à direcção do qual pertenceu António Tavares Marques. Além destas quatro associações, que viriam a unir-se e a constituir a União Mutualista Nossa Senhora da Conceição, fundou-se ainda a “Associação de Socorros Mútuos União Piscatória”,  por volta de 1910, e que se dissolveu em 1912 para dar lugar à Sociedade Cooperativa União Piscatória.

Em 1907 houve uma tentativa para se constituir a Associação de Socorros Mútuos “Popular Independente - Doutor Guimarães”, que se gorou.

No campo económico, o mutualismo frutificou através da Caixa Agrícola.

Ruky Luky

Um comentário:

  1. Todo este trabalho, de trazer à luz do dia um passado que traduz um ambiente de fraternidade, honra o autor e o povo que ele descreve. Este esforço cooperativo dos cidadãos onde se inscreve uma aliança que, de certa forma, irmana trabalhadores e patrões num objectivo comum, é um retrato das pessoas e da vida social da vila de Aldeia Galega e ao mesmo tempo reconhece uma capacidade de aglutinar em interesses que valorizam as relações pessoais. Poucas terras, da dimensão da nossa, terão criado tantas instituições de bem-fazer nos finais do séc. XIX, o que para além do espírito solidário, prova também alguma capacidade económica e muita cultura humanista. Aldeia Galega devia ser um orgulho para os actuais montijenses, mas, infelizmente a generalidade destes, pouco ou nada sabe do passado e, mais grave, não parece ter interesse em o conhecer. Um povo que não conhece as suas raízes está num estado letárgico e caminha para a extinção. Mas se há milagres, pode ser que neste torrão algum se proporcione. É bom ter alguma fé.

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