domingo, 9 de dezembro de 2012

Joaquim Serra

Amor e Poesia

Joaquim Xavier Serra – Montijo, 28.12.1907 – 28.04.1933
A Liberdade para evocar o amor e a anarquia por bandeira.

O amor para cantar, lírica, a Liberdade, mas também o pro­fundo respeito pela pessoa amada.

O lirismo, que corre suave pela obra de Joaquim Serra, encharca a sua visão apaixonada da vida e transforma-o num romântico brandindo espadas contra os algozes da frater­idade e cantando hosanas à fraternidade universal.
Era como se o autor pro­curasse na poesia o descanso para outros combates feitos em prosa, de pena em riste, denunciando injustiças e cla­mando sempre e cada vez mais por Liberdade, Liber­dade, Liberdade!

Mas a Ideia foi também o amor, que rompeu casto, pu­ro, límpido como as claras manhãs que bordejavam a sua terra, e sensual como sensual é a vida no desabro­char das suas formas.

Liberdade e Amor, como se pudesse existir um sem a outra. Amor e Anarquia, co­mo se o amor pudesse estar atado a preconceitos e a re­gras caducas criadas por uma qualquer sociedade.
Gritar Liberdade, pensando em amor, fazendo a apologia do amor vivido livremente, em profundo respeito.

Viver, em 1930, em Montijo, digo, Aldegalega do Ribatejo, e ter a coragem de escrever «a castidade só falta aonde não existe o amor. Até na própria abstinência dos padres há uma falta de castidade absoluta. Acaso é o matrimónio que tem in­fluência na atracção sexual? O casamento é que pode tra­zer a imoralidade, sobretudo desde que se trate dum casa­mento de interesses».

O amor, como a Ideia e a Inteligência, como chave, bus­ca e resposta, porque «eu não posso amar uma mulher ape­nas misticamente. O amor-adoração vive apenas no sentimentalismo de João de Deus e quejandos, que fize­ram da mulher um adorno de oratório depois de a profa­narem coma sua volúpia ina­ta. A moral no lar não de­pende do refreamento dos nossos instintos em solteiros. A moral do lar depende ex­clusivamente do amor». As­sim sentia um coração que os­cilava entre os impulsos arre­batadores da paixão e os lai­vos de sinceridade do amor.

De «suspiros que o meu co­ração soltou nos momentos mais sossegados duma fan­tástica e ilusória paixão ( ... ) (e de) Arpejos, onde já fala, não aquele arrebatamento en­tusiástico ou desesperado do coração, mas sim a salutar serenidade dum amor» cons­truiu Joaquim Serra a sua poesia. Obra de uma profun­da simplicidade, mas também «impossível de se produzir num coração», que não fosse o seu, «dotado duma sensibi­lidade estranha».

E em páginas avulsas fi­cou-nos uma corrente lírica,  expressão dum romântico exaltado, dum apaixonado pe­la mulher amada, pela vida e sobretudo pela Liberdade, luz que tudo ilumina.

 «Almas gentis, avante, avante!
                                   Que a tradição ve­lha, aviltante,
                                             não desper­ta.
                                 Lançai do amor toda a ardência,
                                            Oh, proclamai essa Anarquia
                                            Que vos liberta!
                                      No amor livre, ébria canção,
                                           Vosso sublime coração
                                           Ide depor.
                                 Buscai em vós cha­mas mais vivas...
                                    Livres, se­reis sempre as cativas
                                 Do nosso amor.»


E se o poeta fingiu amar Maria, se descobriu Laís, a lúbrica, ou se se encantou com as flores, o homem era, no dizer de outro poeta, «uma alma combativa de gi­gante com um coração crista­lino ele criança. Amava os humildes por sentimento fra­terno e não por pretensiosis­mo de popularidade. Era sensível demais para ser com­preendido na terra em que nasceu».

E o homem, confundindo-se com o poeta, encheu a vi­da de poesia, disse «Amo-te!» com voz de menino, acenden­do uma luz intensa, estrela firme que brilha, lá onde os homens se libertam, cintilan­do em noites escuras, para quem o ouviu e respondeu «Amo-te também!».

Estrelas… Avisou quando a sua estrela empalidecia:
«Não procureis o Além en­tre as estrelas. Se não ficou na vida obra que a imortali­ze, ai da alma, que morre apegada à podridão do cadá­ver.»

Flores…
«As flores – meu lirismo a elas devo
Têm o viço da aurora a reful­gir...»

Beleza...
«É  um sonho tão profundo
que nunca conse­guimos alcançar.»

Como Antero de Quental, o homem que foi poeta, por­que sempre foi menino, acre­ditava que
«O Sumo Bem, o Verbo, a Essência, só se re­velam aos homens e às na­ções no Céu incorruptível da Consciência

Tornou-se belo pela causa da Justiça, da Liberdade e da Fraternidade.

Partiu em Abril, quando as flores perfumam os campos e os namorados oferecem as primeiras Rosas...

Rosas que o acompanham para sempre, por­que

«Junto à campa dum poeta
                                          Uma roseira resume
                                         Seu peito desfeito em rosas,
                                         Sua alma feita perfume.»

Tinha 25 anos e partiu. Era Primavera.Nunca deixou de ser.

 
Ruky Luky

 

Um comentário:

  1. Não posso passar sem fazer um comentário a esta tão bela elegia que é poesia digna do homenageado e do autor, que podemos confundir como uma sequência do sentimento de Joaquim Serra. O poeta não morre porque a poesia é eterna e enquanto o homem não for robotizado ela será perene. As palavras podem ser uma maravilha se arrumadas com beleza e estilo, que é o caso. Parabéns.

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