sábado, 29 de setembro de 2012

As Bandeiras da Santa Casa da Misericórdia de Aldeia Galega do Ribatejo/Montijo [Séc. XVI – XIX]


1. A Primitiva Bandeira
 
SVB TVVM PRAESIDIUM COFUGIMUS,
Sub tuum praesidium confugimus, Sancta Dei Genetrix. Nostras deprecationes ne despicias in necessitatibus, sed a periculis cunctis libera nos semper, Virgo gloriosa et benedicta. Amen.
À vossa proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus.Não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita. Amém. [Antífona gregoriana]
O Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Montijo, de 1589, obrigava aos «irmãos tanto que ouvire[m] a campainha com a insígnia que está ordenada para chamamento dos Irmãos virem a casa para cumprirem as obras da Misericórdia.»
Servia, assim, a insígnia para identificar o andante na sua missão de convocar os irmãos.

 Mas a Bandeira, como símbolo da Irmandade, estava também solenemente presente na procissão, porque o Compromisso a isso ordenava: «diante irá a Bandeirada Misericórdia a qual levará um Irmão Nobre», e nos funerais «a Bandeira da Irmandade (será) levada por um Irmão Nobre.»

 Os Compromissos da Santa Casa da Misericórdia de Aldeia Galega, de 1589 e 1766, não se referem à bandeira, contudo ela aparece descrita no Compromisso da Misericórdia de Lisboa, de 1516.

 A bandeira tinha num dos lados a imagem de Nossa Senhora com o manto levantado por dois anjos, tendo à direita a figura do Papa, de um Cardeal, de um Bispo e de Frei Miguel Contreiras, todos de joelhos e de mão postas. Do lado esquerdo, estavam representados o rei D. Manuel I, as rainhas Santa Isabel e D.ª Leonor, dois velhos, companheiros de Frei Miguel Conteiras na fundação da Misericórdia de Lisboa, e figuras protegidas pela instituição, todos de mãos postas, e no outro a imagem de Cristo crucificado.

As bandeiras passaram a ser concebidas em cada Misericórdia consoante as aptidões dos artistas encarregados da obra, o que deu em resultado não se saber quem representava cada uma das figuras retratadas.

A Virgem da Misericórdia , de pé e de mãos postas sobre uma nuvem, envergando uma túnica acinzentada e um amplo manto azul que dois anjos mantêm aberto sobre dois grupos de figuras genuflexionadas.Sob a nuvem, encontra-se representado um homem pobremente vestido e com um braço ao peito, simbolizando aqueles a quem a Misericórdia acode.
 A Santa Casa da Misericórdia de Aldeia Galega também teve a sua bandeira.

No inventário de 1587 [?] regista-se a existência de “7 insígnias pretas”, mas quatro anos mais tarde, em 1591, o escrivão Fernão Rodrigues Pimental nada assinala.

 No dia 26 de Maio de 1591, a Misericórdia celebrou um contrato de obrigação com Tomás Luís, pintor a óleo, e Domingos Pacheco, pintor de têmpera, moradores em Lisboa, para dourarem e pintarem o retábulo da Santa Casa, pela quantia de 120$000 réis.

 Em 8 de Junho de 1591, Domingos Pacheco firmava contrato com a Misericórdia, tendo recebido do «Provedor António da Gama de Mendonça 20$000 réis que o dito senhor deu para se fazer o trabalho da Misericórdia.»


Figuração do rei e da sua esposa. Atrás vêem-se dois homens, um imberbe e outro barbado.
Um ano depois, em 28 de Junho de 1592, D. Antónia Silva, mulher do Provedor António da Gama de Mendonça, pagou aos mesmos pintores a quantia de 100 cruzados, por pintarem «o painel do meio e doirar as colunas e friso de cima o qual entrou no contrato que temos feito à Misericórdia.»

 Em 1592, estavam concluídas a pintura do retábulo e as encomendas feitas por D. Antónia da Silva e pelo seu marido, Provedor António da Gama de Mendonça.

D. Antónia da Silva, que foi provedora da instituição, presenteou-a com várias dádivas, entre elas, a bandeira, que custou 45$000 réis, bem como as 7 insígnias.

Não é possível precisar a data em que as insígnias foram pintadas, mas se admitirmos a probabilidade de terem sido executadas pelos mesmos artistas que decoraram o retábulo, então, poderemos concluir que foi no ano de 1592.

No inventário, de 10 de Julho de 1606, regista-se a existência de «1 insígnia de Nossa senhora da Piedade que serve no altar no tempo da Quaresma, 7 insígnias das Endoenças e 2 bandeiras uma da Irmandade com sua fronha em que está metida e a cruz em cima com sua fronha de tafetá preto e outra bandeira ordinária metida em sua fronha.»
 
No lado esquerdo da bandeira, pontificam um papa, de mãos unidas e com a tiara deposta no solo, um frade trino, e dois outros homens de posição social indiferenciada.
No inventário de 1653, aparecem referidas «duas bandeiras, uma da Irmandade com os seus cordões e borlas de oiro e sua capa e outra bandeira dois acompanhamentos ordinários e as sete insígnias dos passos da Paixão de Cristo para a procissão das Endoenças.»

O escrivão que, em 1666, fez o inventário, descreveu «duas bandeiras, uma nova da Irmandade com sua franja de ouro e quatro cordões pendentes do mesmo e umas borlas e outra bandeira velha dos acompanhamentos ordinários.»

Até ao final do séc. XVIII encontram-se referências às duas bandeiras da Irmandade, a que foi oferecida por Dona Antónia da Silva, provavelmente reproduzindo fielmente a Bandeira da Misericórdia de Lisboa, e a outra dos “acompanhamentos ordinários”, que saía por altura das procissões e dos funerais. Da primeira nada se sabe. Ao tempo e aos homens só resistiu o pendão representando, no anverso, Nossa Senhora da Misericórdia, e, no verso, Nossa Senhora da Piedade, continuando esta a enriquecer o património da Santa Casa da Misericórdia de Montijo.   

O inventário dos bens da Santa Casa, realizado em 1807, regista a existência de «duas bandeiras a Real e a dos Actos Comuns», além dos sete painéis da paixão. A bandeira real perdeu-se também.

Em 1768, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa criou o seu primeiro selo, que passou a ser adoptado por todas as congéneres, que reproduzia dois escudos encimados pela coroa real. Um dos escudos tem gravadas duas tíbias em aspa encimadas por uma caveira e esta encimada por uma cruz alta com raios nos cantos e acompanhada da abreviatura da Misericórdia, tendo o da direita as letras Mi, e o da esquerda as letras Za, ou as letras M, do lado direito, e ZA do esquerdo.
 
Anverso da bandeira. Lamentação sobre Cristo Morto. Na faixa branca encontra-se a inscrição "LIVORE EIVS SANATI SVMUS. ISAIAS. [53:5] - "As Suas feridas são os nossos remédios". 
A imagem representa, além de Cristo morto, a Virgem, do lado esquerdo, Maria Madalena , e no lado opsoto, São João evangelista.
A Santa Casa da Misericórdia de Aldeia Galega do Ribatejo também adoptou este selo e o terá transporto para a bandeira. A esta refere-se o inventário de 1807, aquele está a autenticar alguns os ofícios da instituição, por exemplo, o de 5 de Março de 1891.

O selo identificará a Santa Casa da Misericórdia de Aldeia Galega até ao início do século XX.

Os nossos agradecimentos à Santa Casa da Misericórdia de Montijo pela cedência das imagens.
 

Ruky Luky


Um comentário:

  1. Este trabalho de divulgação é digno do maior realce, tanto mais que, de um modo geral, o povo atravessa um período de descrença. É preciso agarrar as raízes para nos segurarmos e o esforço de colocar estas mais perto de nós é enriquecedor e benévolo. Parabéns acompanhados pelos meus agradecimentos.

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